quarta-feira, julho 16, 2008

RAP, no jornal "A Bola", de domingo.

UMA característica engraçada das palavras é o facto de possuírem um significado mais ou menos exacto. Por exemplo, ninguém dirá: "O Cristiano Ronaldo é um alguidar", porque não há nada que permita identificar o Cristiano Ronaldo com um alguidar. No entanto, é possível dizer: "O Cristiano Ronaldo é um escravo", porque aparentemente, e a fazer fé no presidente da FIFA, existem motivos para considerar que a situação que Ronaldo vive no Manchester é semelhante a escravatura. Vejamos: há menos de um ano e meio, Cristiano Ronaldo assinou, de livre vontade, um contrato com o Manchester United. O clube ficou obrigado a pagar-lhe, nos cinco anos seguintes, cerca de 600 mil euros por mês. De facto, esta história é tão parecida com a do livro "A Cabana do Pai Tomás" que eu até fico com pele de galinha.

A verdade é que os sinais da vida de escravatura de Cristiano Ronaldo estavam à vista de todos. Sepp Blatter limitou-se a verbalizar o que todos devíamos ter percebido. Repare o leitor: o jogador passou parte das suas curtas férias (a generalidade dos escravos tinha férias bastante mais extensas) num iate. Enquanto a mãe e a namorada apanhavam banhos de sol no convés, o miúdo estava, evidentemente, no porão, a remar. Cristiano deu uma volta pelo Mediterrâneo? Deu. Mas saiu-lhe do pêlo. É assim que o rapaz ganha aquele cabedal. Fica tão robusto que, quando tira a camisola, mal se notam as marcas das chicotadas que lhe dão em Old Trafford.

Miguel Sousa Tavares escreveu esta semana que está farto de rir com o sucedido no Conselho de Justiça da Federação. Disse ele que aquilo que mais o diverte é o facto de aqueles que desprezavam o CJ lhe darem agora toda a credibilidade. Vejam como o sentido de humor das pessoas varia. Para mim, o mais engraçado é o facto de aqueles que davam toda a credibilidade ao CJ agora o desprezarem. São feitios. Eu vi com muito prazer a entrevista de Pinto da Costa à SIC (para mim, é sempre tranquilizador ver Pinto da Costa na televisão, na medida em que fico com a certeza de que, pelo menos naqueles minutos, ele não está em casa a receber árbitros) e ainda me lembro dos elogios ao CJ, que tinha rectificado de forma irrepreensível a acção do dr. João Leal, e que certamente iria considerar as opiniões de dez ou vinte juristas cujo currículo indicava que tinham estudado direito mesmo muito afincadamente. Como o CJ decidiu de outra maneira, passou de grupo de sábios a coio de bandidos. Não me digam que não tem graça.

No entanto, não me custa reconhecer que é possível que eu ache piada à situação por simples ignorância. Talvez seja justo confessar que eu não percebo nada de direito. É, aliás, um dos muitos assuntos dos quais eu não percebo nada. E por isso é óbvio que me faltam conhecimentos para compreender as decisões do departamento jurídico da SAD do Porto. Por um lado, não recorrem de decisões que os prejudicam e desonram; por outro, dizem que as escutas não provam nada, e por isso não os prejudicam nem desonram, mas ainda assim desejam a todo o custo anulá-las. Escuso de dizer que também acho graça a isto.

Outro grande cultor da língua portuguesa é Almiro Ferreira. Se o leitor não conhece o nome deste émulo de Camilo, terei todo o gosto em corrigir essa injustiça. Almiro Ferreira é o autor da notícia mais interessante do Jornal de Notícias da passada sexta-feira, merecidamente chamada para a primeira página com o título "Benfica e Guimarães em conluio na UEFA contra o FC Porto". Cá estamos de novo confrontados com o significado das palavras, em mais um encontro feliz do futebol com a semântica. Não precisamos da ajuda do velho Morais para saber que um conluio é uma maquinação, uma trama, uma conjura, uma conspiração. Um acordo para praticar um mau feito. Uma combinação para fraudar um terceiro. Em que consiste este conluio? Almiro Ferreira informa: "Advogados diferentes, separados por milhares de quilómetros (…) conseguiram esse feito de telepatia que foi transmitir ao TAS, em documentos diferentes, textos, redigidos em inglês, iguaizinhos do princípio ao fim." O texto em causa é a tradução das deliberações do CJ. Ao que Almiro Ferreira apurou, Benfica e Guimarães conluiaram-se contra o Porto. Como? Apresentando uma tradução errónea das deliberações do CJ? Incluindo na tradução duas ou três deliberações dos julgamentos de Nuremberga, atribuindo a responsabilidade dos factos a Pinto da Costa? Acrescentando à tradução supostas considerações de Pinto da Costa sobre as progenitoras dos juízes do TAS? Não, muito pior do que isso: apresentaram a mesma tradução. Facto que, evidentemente, prejudica o Porto. Como, não sei. Mas prejudica. Provavelmente porque, de acordo com o rigoroso relato jornalístico de Almiro Ferreira, isento de opiniões ou ironias, e estritamente factual, o fizeram por telepatia.

É, portanto, mais um verbete para o cada vez mais volumoso e interessante Dicionário do Futebol Português: receber árbitros em casa nas vésperas dos jogos é convívio; apresentar nas instâncias próprias a mesma tradução do mesmo documento é conluio.

5 Comentários:

Às 5:39 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Grande posta Xo Vici!!!

 
Às 6:21 da tarde , Blogger VICI disse...

Dirija as suas felicitações ao RAP, não a mim...

Abraço.

 
Às 6:33 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Claro que sim! Dirigi a si pois não tive oportunidade de ver o artigo no jornal " A Bola" e só pelo blogue o li..Abraço..

 
Às 7:28 da tarde , Blogger VICI disse...

Obrigado. Há sempre uns blogs de "futeboleiros" que publicam estas coisas de borla... ;)

Abraço.

 
Às 9:36 da tarde , Anonymous Anónimo disse...

Até gosto de ouvir e ler as crónicas de Miguel S. Tavares, mas quando fala de futebol estraga tudo...

 

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