Apesar do silêncio ciumento que os meios de comunicação internacionais lançaram sobre o assunto, a notícia mais importante da actualidade não escapou aos nossos jornalistas: em princípio, existe a possibilidade de, se calhar, Obama vir a ter talvez um cão quiçá português. Há reportagens sobre criadores, entrevistas com veterinários, perfis de exemplares da raça. E é quase certo que se está a preparar uma investigação de fundo sobre a displasia da anca e carraças em geral.
Que Obama teve a capacidade de mobilizar os americanos toda a gente sabia; que seria capaz de mobilizar os portugueses era mais difícil de prever. Aos americanos, prometeu livrá-los da pior crise de que há memória; a nós, disse que ia arranjar um cão. Para uns, houve oratória empolgante, patriotismo místico, um projecto histórico comum; para outros, tomem lá um bicho. Bicho esse que é nosso compatriota mas que, ainda assim, continua sendo um bicho. Não se pode dizer que sejamos um povo ao qual é difícil agradar.
No entanto, a manobra, apesar de engenhosa, pode sair cara a Obama. É verdade que conquistou o povo português usando a estratégia com que os pais conquistam filhos de seis anos. Mas, uma vez adquirido o animal, o nosso herói deixará de ser Obama. Depois do Manchester de Cristiano Ronaldo e do Inter de Mourinho, também os Estados Unidos serão doravante designados como a América de Bobi. Continuará a haver cimeiras, mas os chefes de Estado reunir-se-ão na Casa Branca de Piloto. E os encontros decorrerão, de certeza, na Sala Oval de Pantufa. Qualquer vitória de Obama será também nossa, por via canina. Atrás de um grande homem há sempre um grande canídeo, como diz o ditado.
A sorte de Obama é não ter tomado uma decisão definitiva sobre o bicho antes da cerimónia de investidura como novo Presidente. Se, por esta altura, o cão de origem portuguesa já fosse o animal de estimação da família Obama, boa parte dos nossos jornais exibiriam uma fotografia da tomada de posse e a legenda: «Preto jura a constituição sob o olhar do Bolinhas.» Bom, talvez não esteja a ser rigoroso. Para efeitos de comédia, distorci a tendência subtil dos jornais nacionais para celebrar tudo o que é português no estrangeiro. O mais provável é que a legenda dissesse «sob o olhar inteligente e meigo do Bolinhas».
Ficaria triste, contudo, se o leitor concluísse daqui que alguma coisa me move contra o putativo cão português de Barack Obama. Nada disso. Será mais um a prestigiar o País no estrangeiro, a levar o nome de Portugal mais longe – e, tenho a certeza, com uma dignidade de que poucos se podem gabar. É certo que será mais um português a quem o Presidente americano dará ordens e ensinará a rebolar quando quiser. Nisso, o cão não se distinguirá especialmente de Durão Barroso. Mas, por uma vez, será o Presidente americano a andar atrás de um português para lhe limpar o cocó, em vez do contrário. Nisso, o cão distinguir-se-á bastante de Durão Barroso. Sim, tenho as maiores esperanças no bom desempenho do cachorro. Por mim, Cavaco pode começar a preparar uma comenda de pôr na coleira. Aqui para nós, sempre tem melhor destinatário do que muitas que ele tem atribuído.