1 Sejam bem-vindos ao Alandroal. Um concelho alentejano lindíssimo e de que recomendo a vila de Terena e uma visita ao seu castelo. Agora, alguns dados sobre o Alandroal: o concelho tinha, no censo de 2006, exactamente 6187 almas (infelizmente, é provável que o número tenha diminuído e não aumentado). Para assistir devidamente os seus 6187 habitantes, o concelho tem nada menos do que dezasseis freguesias e a Câmara Municipal emprega 220 funcionários, mais a vereação - ou seja, um funcionário camarário para cada 28 habitantes. Para poder alimentar este exército camarário seria de supor que a Câmara gozasse de uma privilegiada situação a nível de receitas. Não, infelizmente: segundo nos informa o "Diário de Notícias", o município sobrevive "praticamente sem receitas próprias", que não as que recebe das transferências do Orçamento do Estado. Uma visita à terra mostra-nos porquê e explica-nos que há bens que vêm por mal: lá isolado, em plena planície, longe da costa e de Alquevas, o município não pode acrescentar às verbas do OE as que resultariam do imposto municipal sobre imóveis referente a urbanizações e aldeamentos turísticos, marinas e campos de golfe que não tem. O Alandroal está assim preservado dos PIN e do desvario urbanístico e paga por isso um preço, pois que a lógica do ordenamento do território em vigor estabelece que quem mais constrói, quem mais construção autoriza, mais dinheiro tem.
O Alandroal vive, pois, exclusivamente à custa dos contribuintes. Note-se: não são os habitantes (que, esses gozam de outros apoios sociais): é o próprio concelho. Ora, isto é meio caminho andado para a desgraça e para a irresponsabilidade: é sabido que quem vive de gastar o que não tem, não lhe dá o devido valor. Não admira, pois, que, entre 2001 e 2009 e ao ritmo de três milhões por ano, o concelho tenha acumulado uma dívida de 28 milhões de euros (4525 por habitante, a acrescer aos cerca de 13.000 que cada português deve em nome da República). Em 2008, o município, liderado por um socialista, excedeu em dois milhões os limites de endividamento fixados na lei, e, em 2009, ano de eleições autárquicas, triplicou a derrapagem, ultrapassando em mais seis milhões os limites legais de endividamento. Chegou agora a factura: conforme estabelecido, a lei penaliza o seu endividamento além dos limites, cortando-lhe 10% nas transferências do OE. O novo presidente da Câmara queixa-se, e com razão, de "estarem a ser penalizados por decisões tomadas no passado". E queixa-se, sem razão, de que, se o Governo aplicar a lei, não terá dinheiro para pagar os subsídios de Natal à sua legião de funcionários. E não vê outra solução que não a de cortar no "que não é fundamental: iluminações de Natal, festas, horas extraordinárias e ajudas de custo". Realmente, pensando que temos mais de 300 municípios e alguns deles na mesma situação do Alandroal, também não vejo outra solução... Só não percebo é por que razão foi preciso esperar até quase ao final do ano para se darem conta... das contas. E, francamente, custa-me a entender como é que, com um funcionário por cada 28 habitantes, ainda é necessário pagar horas extraordinárias, e como é que, com 4525 euros de dívida pesando nas costas de cada munícipe, ainda sobra dinheiro para festas.
Se quer saber como é que chegámos onde chegámos, à iminência da bancarrota, é fácil: o Alandroal é Portugal.
2 Revolta nos magistrados: o OE vai-lhes reduzir em 20% o extraordinário subsídio de renda de casa - e isto depois de uma ameaça, não concretizada e que lhes seria bem mais onerosa, de passar a taxar o dito subsídio no IRS, à semelhança do que sucede com todas as remunerações complementares de todos os outros trabalhadores do país.
Apreensão nas forças de segurança (PSP e GNR): será que vão perder coisas como o subsídio de esquadra e o de patrulha, o de turno e o do chefia, pagos mesmo quando estão de baixa?
Pânico entre os atletas de alta competição: os prémios recebidos do Estado por medalhas internacionais podem também vir a pagar IRS.
Desaforo entre os escritores e demais artistas: IRS também para os prémios literários - o que, segundo o presidente da SPA, José Jorge Letria, pode "desincentivar a criação literária" (o Tolstoi nunca teria escrito "Guerra e Paz" se soubesse que teria de pagar imposto sobre os prémios que nunca recebeu...).
Alívio entre os artistas bolseiros da Gulbenkian: a extinção do Serviço de Belas-Artes lançou o terror entre os artistas, até a Gulbenkian esclarecer que extinguia o serviço, mas mantinha os apoios. Comentário de um artista, aliviado: "a extinção dos custos com o pessoal dos serviços é uma boa medida". (Felizmente, quem se lixa são os outros...).
Lamento do sector cultural do "Público": a "música popular" não goza dos apoios do Estado para se internacionalizar (três páginas de choradinho, vários artistas populares ouvidos, mas não alguns como a Mariza ou a Ana Moura, que não precisaram de dinheiros públicos para se internacionalizar).
3 Gaba-se o governador civil de Viana do Castelo de ter desconvencido o então primeiro-ministro Durão Barroso a taxar a A-23, levando-o a viajar pela estrada nacional alternativa: "Levámos 40 minutos a mais!". Talvez haja bons argumentos para as SCUT, que eu não alcanço, mas este não é certamente. Claro que se demora menos tempo pela auto-estrada e é para isso que elas são feitas. Mas, se isso é argumento para serem grátis, porque não é grátis também uma consulta médica no privado, sabendo-se que no público se espera muito mais tempo?
4 O comboio na Ponte 25 de Abril é uma ruína económica (agravada pelo contrato da respectiva PPP, como sempre). O metro do sul do Tejo é outra ruína. Aparentemente, ambos foram feitos para clientes que não existem - o destino reservado ao TGV para Madrid. Os clientes, que são e querem continuar a ser automobilistas, reunidos numa 'Comissão de Utentes da Ponte 25 de Abril', reclamam agora portagens grátis, com o argumento de que "a ponte já está paga". E o Museu do Vaticano, não está? E a Torre Eiffel?
5 A EasyJet vai instalar uma base operacional para toda a Europa no aeroporto da Portela - sim, esse mesmo, o que já está saturado. O Governo rejubilou por a defunta Portela ter sido escolhida entre 57 alternativas estudadas, os contribuintes vão apoiar a operação financeiramente, a ANA vai fazer preços especiais à EasyJet e entregar-lhe o Terminal-2. Depois, se a loucura de Alcochete for avante, a TAP vai ser obrigada a deslocar-se para lá e dali concorrer com a EasyJet e outras low cost instaladas na Portela e que recusarão mudar-se para Alcochete e pagar taxas mais altas para ficar mais longe da cidade. Anotem a minha previsão: a TAP irá à falência, o novo aeroporto não será rentável, o custo da PPP para o tal "aeroporto sem custos" será incomportável para o Estado e as low cost ficarão sozinhas a gozar a Portela à vontade. A ver vamos.
6 O Estado espera vender o BPN a algum distraído por 200 milhões. E, para o conseguir, vai lá despejar mais 400 milhões, a juntar aos 4000 milhões que aquele negócio de bandidos já nos custou. Esta absurda e continuada teimosia, se tem sido evitada desde o início, ter-nos ia poupado muitos impostos e muitos sacrifícios. Raramente uma decisão de política económica se revelou tão precipitada, tão errada e tão ruinosa para o país. Que mais, quantos mais milhões ainda, serão necessários para pôr fim ao que apenas parece ser agora a vaidade que impede de reconhecer o erro e estancar de vez a hemorragia.