A beleza do ideal que presidiu ao 25 de Abril era indesmentível! Mas nunca se cumpriu! A obrigação moral e humana de permitir a um povo tomar o destino nas suas mãos não poderia ser coarctada! Mas como abandonar sem mais aqueles que só conheceram opressão? Como deixá-los à sua sorte, quando nunca foram preparados para administrar uma nação? Como fugir às responsabilidades de largar uma terra sem quadros técnicos capazes e sem estabilidade? E o que se pode chamar a um país que abandona os seus próprios filhos?
Faz hoje 32 anos que Moçambique logrou alcançar a independência formal relativamente a Portugal, a “potência colonial”. Os contornos da independência ficaram, cum grano salis, definidos em Lusaka. De um lado, Samora Machel, que se escudava na veemência e intransigência que a sua crença na libertação lhe transmitia. Do outro, Mário Soares e Otelo Saraiva de Carvalho, ufanos da sua pequenez e ciosos de protagonismo. Os destinos da nova nação independente estavam traçados à partida! Ficou célebre a tirada de Otelo, quando asseverou durante as negociações: “eu cá não sou político, mas eles têm razão, Dr. Mário Soares, no lugar deles faria o mesmo. Se continuamos assim a discutir, eu não me ensaio nada e passo para o lado deles”.
Fico deveras feliz pela autodeterminação de um povo que deixou de ser administrativamente controlado e economicamente explorado pela potência europeia que o ocupava (nem concebo pessoa bem formada que pense de outra forma); mas é muita a tristeza quando comprovo que a verdadeira autodeterminação ainda não foi alcançada!
Volvidos mais de 30 anos, Moçambique debate-se com uma classe política reinante desavergonhada e incompetente, mas que em momento algum aceitará deixar o poder! O povo, esse, lá continua a vida com dificuldades e total desinteresse por questões políticas que pouco ou nada lhe dizem respeito!
O culto do paternalismo político e do partido único que se confunde com o país (inclusivé, a data para a proclamação da independência foi escolhida para concidir com a data de fundação da FRELIMO), a corrupção, as manigâncias, a desfaçatez! Foi este o parto da independência, cozinhado por meia-dúzia de iluminados, cujo único fito foi o de se auto-promoverem! E, a bem da verdade, conseguiram-no...
A ideia de Samora Machel: Moçambique para os Moçambicanos, um país sem opressores e oprimidos; pouco ou tempo nenhum durou e rapidamente se converteu numa perseguição política e social atroz! A um racismo seguiu-se outro! A um patronato estrangeiro seguiu-se um patronato local! Chegou a caça às bruxas, o revanchismo! Os saneamentos políticos e os “desaparecimentos”! Enfim, chegou uma guerra civil que dividiu e destruíu o país e alimentou o tribalismo...
Volvidos 32 anos, o Estado Português continua vergonhosamente a não indemnizar aqueles que enviou para o ultramar (dizendo-lhes "aqui é Portugal") e que depois abandonou covardemente; e, em Moçambique, enquanto uns enriquecem despudoradamente, o grosso da população arrasta-se pelas ruas e campos! Se uns alardeiam palavras como “moçambicanismo”, “orgulho”, “crescimento sustentado”; os outros, os verdadeiros moçambicanos, padecem de todas e mais alguma maleita, amontoam-se à porta dos hospitais e morrem desamparados!
Todos os que negociaram a independência, quase sem excepção e de ambos os lados, traíram os ideais que diziam defender; traíram todos os que neles fizeram fé! Politizaram a vida dos que neles confiaram! E como é horripilante vê-los impantes de glória e orgulho pelas atrocidades que cometeram...
*Em Moçambique, diz-se que o cabrito come onde está amarrado! Transponha-se isso para a política e temos o cabritismo...